Xê
Ele é o primogênito,
Mas ao nascer ainda não sabia
Seu primeiro ano de vida foi único
Tinha todo amor e atenção dos pais
Lembro-me de uma foto
No parque do Ibirapuera
Ele estava em pé
O pai sentado na grama,
O cuidava com atenção
Ele sorria e o pai tinha um semblante de contentamento
Acho que era o momento mais feliz da sua vida
Ser pai desse bebê risonho
Carinhoso e fofo
Só pude vir a conhecê-lo quando ele completou um ano
Claro que não me lembro
Mas fico feliz por saber que já nasci seu irmão
Aliás, fomos dois ao nascer no seu aniversário de 1 ano
Que presentão que ele ganhou!
Espero que tenha nos perdoado por
Ter que dividir sua atenção exclusiva de nossos pais
Em pouco tempo éramos três
Três bebês, três loirinhos
Passeávamos em um carrinho que levava todos nós
Chamávamos a atenção
Afinal não é comum ver três bebês em um carrinho
Também lembro que éramos praticamente inseparáveis
Lembro das fotos do pai segurar nós três no seu colo
Da mãe estar sempre com todos os três, como na foto no paralamas do fusca bege 1970
Todos viam a gente como três
No aniversário recebíamos presentes iguais quase sempre
A Vó Maira sempre nos dava pijamas
Nós três recebíamos o mesmo pijama, mas eu e meu irmão gêmeo tínhamos a mesma cor, típico presente de gêmeos
Estudamos sempre juntos
Na mesma escola
Mas ele sempre um ano a frente
Os apelidos que nos deram foram Xê, de bochechudo eu acho,
Fô, de bolo fofo e
Fi, de bolo FIFO
Claro que muitas variações apareceram como Xexinho, Fofinho e Fifinho
Lembro de meu pai chamar bem alto “Xexinhaaaa!” Quando não achava alguma coisa
Xexinha era a nossa mãe e ela sempre encontrava tudo
Xê, com outras variações, como Leite, Leitinho, ou mesmo Xenezinho
Fô, já foi Gagliardi, Prado ou Gato, como a mãe ainda o chama
Eu, também fui Gagliardi, pequeno Prado e Luigi
Éramos confundidos um com o outro
Levei bronca por coisas que não fiz assim como imagino que eles tenham levado broncas por coisas que eu fiz
Acho que eu era o mais bagunceiro
Sabia que eu era o que chorava mais
Até alguns anos da minha infância e juventude, me lembro de amigas da minha mãe que nos encontravam e queriam saber
“Quem é quem?” “Qual deles é você!”
“Ahhh aquele que sempre chorava!!”
Após algumas décadas, com trinta e poucos anos, eu fiz terapia e só aí que compreendi que eu chorava mais porque era mais sensível. Tudo doía mais. E então consegui me aceitar e tirar essa culpa de mim, pois achava que eu só trazia problemas com meus choros
E foi assim
Que os anos se passaram
Que nos tornamos pré-adolescentes
E brigávamos muito
O Vô Carmão nos dizia “É assim mesmo, depois de crescer vocês terão saudades de quando eram crianças”
Nos dizíamos “Claro que não!”
E quem diria que tudo muda quando crescemos
O Fô, às vezes era o mais rebelde
Lembro-me que ele havia anunciado o dia exato que iria fugir de casa. Eu ficava meio sem saber o que fazer, mas acabava achando a ideia legal.
Ele disse em frente do portão de pedestres na BTaborda para uma vizinha chamada Eliane: “Amanhã eu pego minha mochila e fujo de casa”
Eu achei que fosse verdade e preparei minha mochila, caso nós tivéssemos que fugir.
Mas acabava que nunca saíamos Pelo menos não me lembro de ter saído. E se um dia fugimos, acabamos voltado
Eram as peripécias dos três irmãos
Três pradinhos
Uguinho, Zezinho e Luisinho
Os três patetas, às vezes era assim que o Vô nos chamava
Aliás, a mãe e o pai faziam faculdade à noite
Daí a Vó ou o Vô iam para casa ficar com a gente
Quanto trabalho devemos ter dado
Mesmo assim, acho que nossa educação foi exemplar
Na rua, jogávamos taco, queimada,
Bolinha de gude, pega pega, esconde esconde, entre muitas outras brincadeiras que nos preenchia o tempo
Éramos felizes, a maior parte do tempo
Mas eu brigava muito, principalmente com o Carlinhos, talvez meu melhor amigo. Eu dizia contundentemente um dia que “Nunca mais brincaria com ele!” Estava convicto em minha decisão
Mas no dia seguinte, todo o rancor e ressentimento desaparecia completamente
Abençoadas as crianças que brigam e perdoam a si e aos outros tão rapidamente
Quando adultos, as coisas mudam. Uma pena
Voltando às nossas brincadeiras na rua, lembro-me de construirmos balões, pipas, com rabiola, com cerol, até me machuquei uma vez
E até um balão enorme que o pai do Edgar fez. Demorou semanas, talvez meses para que o balão ficasse pronto.
No dia que fomos soltar, precisamos de muitas pessoas, no chão até o terceiro andar na janela da casa do Edgar, para segurarem o topo
O balão começou a encher foi ficando lindo. Com faces coloridas de papel de seda.
Não via a hora dele subir!
Todos estávamos aguardando
Mas de repente uma parte do balão dobrou para dentro, talvez um vento tenha empurrado, e o fogo da tocha atingiu o lado e aos poucos ele foi todo consumido, até desaparecer em chamas. Que triste. Mas o que é ruim de passar é bom de contar
E foi assim que nossa juventude ia de vento em popa
Quantas coisas que vivemos juntos
E como quase em um passo de mágica, 40 anos se passaram
Quem diria…
E aqui estamos, juntos e fortes,
Unidos por uma família abençoada
Que sempre recebeu tantos presentes do universo
Nossa querida irmã que tem um capítulo à parte por ter trazido tanta alegria para a família
Nossos sobrinhos e sobrinhas, Vovô, vovó, netinhos e netinhas
Enfim
Não há palavras para poder agradecer tudo que já vivemos
E um dia iremos sair desse mundo
Mas junto conosco irá todo o amor que nutrimos e continuamos a nutrir nessa família de ouro, como o próprio Padmo Dorje diria
22-Dez-22